sábado, 9 de janeiro de 2010

Portugal: o Estado Novo

A 28 de Maio de 1926 ocorreu um golpe de Estado promovido pelos militares que pôs fim à Primeira República parlamentar portuguesa. Inicialmente, instalou-se uma ditadura militar, que se manteve até cerca de 1932-1933. Esta fracassou no seu principal objectivo de devolver a estabilidade económica, política e social. Diversos desentendimentos entre os militares provocaram uma sucessiva mudança de chefes do Executivo e a impreparação técnica dos dirigentes da ditadura resultou no agravamento do défice orçamental e na perda de adesão por parte dos portugueses.

Em 1928, António de Oliveira Salazar, um professor de Economia da Universidade de Coimbra, foi convidado a entrar no Governo como responsável pela pasta das Finanças. Aceitou esta posição com a condição de superintender nas despesas de todos os ministérios. Com este professor nas Finanças, o país apresentou, pela primeira vez num período de 15 anos, saldo positivo no Orçamento. Este sucesso financeiro conferiu prestígio ao novo estadista e explica a sua nomeação para a chefia do Governo, em Julho de 1932. Procurando instaurar uma nova ordem política, Salazar empenhou-se na criação das necessárias estruturas institucionais e em 1933 publicou-se a Constituição de 1933, submetida a referendo nacional. Ficou, assim, afirmado um sistema governativo conhecido por Estado Novo, que em muito se assemelhava aos modelos fascistas, particularmente o italiano, embora condenasse o carácter violento e pagão dos totalitarismos fascistas italiano e alemão.

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Conservadorismo e tradição

António de Oliveira Salazar foi um homem extremamente conservador. Muito ligado ao mundo religioso, sempre repudiou os exageros republicanos e manteve amigável convívio com monárquicos. Esta personalidade de Salazar reflectiu-se no sistema político que liderou, sendo que o Estado Novo se distinguiu, de entre os restantes fascismos, pelas suas características de conservadorismo e tradicionalismo. Realçou neste governo valores e conceitos morais que jamais alguém deveria questionar: Deus, a Pátria, a Família, a Autoridade, a Paz Social, a Hierarquia, a Moralidade, a Austeridade.

O conservadorismo e o tradicionalismo do Estado Novo levava à crítica da sociedade urbana e industrial, à protecção da religião católica e à subserviência da mulher na sociedade. Salazar acreditava que as cidades e a indústria eram fontes de vícios, corrompiam a mente humana e que levavam a mulher a perder-se; enaltecia, por isso, o mundo rural, refúgio seguro da virtude e da moralidade. Protegeu, ainda, a religião católica, fomentando a forte ligação entre o Estado e a Igreja e, finalmente, reduziu a mulher a um papel passivo do ponto de vista económico, social, político e cultural, idealizando uma mulher-modelo definida como uma mulher de grande feminilidade, uma esposa carinhosa e submissa, uma mãe sacrificada e vistuosa.

Considerava-se que a "verdadeira família portuguesa" era a família católica de moralidade austera, que repelia o vício e a desregração de costumes proporcionados pela liberalização da cidade moderna. Daí que o trabalo feminino fora do lar fosse considerado como uma ameaça à estabilidade familiar e à formação moral de gerações vindouras.

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Nacionalismo

Segundo o conservadorismo e tradicionalismo, Salazar cultivou, no período em que governou, um nacionalismo exacerbado, fazendo dos portugueses um povo de heróis, dotado de qualidades civilizacionais ímpares.

Para o Estado Novo, Portugal e os Portugueses não primavam só pela superioridade do seu passado histórico, mas pela diferença que imprimiam às suas instituições. Embora autoritário, Salazar gostava de se destacar do carácter agressivo e violento dos sistemas totalitários europeus. Considerava as manifestações de massas e os cultos aos chefes demonstrações de paganismo, contrárias aos princípios da moral cristâ e às tradições nacionais que o Estado Novo defendia, já que promoviam o culto ao chefe e não a Deus.

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A recusa do liberalismo, da democracia e do parlamentarismo

Tal como o regime fascista italiano, o Estado novo afirmou-se antiliberal, antidemocrático e antiparlamentar, na medida em que recusou as liberdades individuais e a soberania popular. Do ponto de vista de Salazar, a Nação era tida como a representação de uma unidade orgânica e não como um conjunto de indivíduos isolados. Esta conclusão levou a duas consequências fundamentais: que o interesse da Nação se sobrepunha aos direitos individuais e que os partidos políticos representavam apenas opiniões e interesses particulares de grupos de indivíduos, constituindo um elemento desagregador da Nação e um factor de enfraquecimento do Estado. Salazar mostrou-se, então, como opositor da democracia parlamentar e valorizou o poder executivo como a única garantia de um Estado forte e autoritário.

Para além de promover um culto ao chefe contrário ao de mussolini (em vez de transmitir uma imagem militarista, agressiva e viril, mostrava-se avesso às multidões e cultivava a discrição, a austeridade e a moralidade), Salazar recusava o parlamentarismo, visto que, com a Cosntituição de 1933, os poderes centraram-se no Presidente da República (Óscar Carmona) e no Presidente do Conselho (António Salazar), o que levou a uma partilha de poderes entre estes dois orgãos. Salazar sobressaía no meio do Executivo, perante esta subalternização do poder Legislativo.

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O enquadramento das massas

O modo como o regime do Estado Novo enquadrou as massas e obteve a sua adesão ao projecto deu-se através de várias formas: Secretariado da Propaganda Nacional, União Nacional, Mocidade Portuguesa, Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho e a Obra das Mães para a Educação Nacional.

O Secretariado da Propaganda Nacional (SPN), criado em 1933, desempenhou um papel fundamental na divulgação dos ideais e valores do regime e na padronização da cultura e das artes. A União Nacional, fundada em 1930, tratava-se de uma organização não partidária que reunia "todos os Portugueses de boa vontade" e apoiava incondicionalmente as actividades políticas do Governo; pela altura em que os partidos políticos foram extintos, a União Nacional transformou-se no partido único, chefiado por Salazar. A Mocidade Portuguesa era uma das organizações milicianas, em conjunto com a Legião Portuguesa. Sendo que a primeira (de inscrição obrigatória) abrangia os estudantes dos ensinos primário e secundário e destinava-se a ideologizar a juventude, incutindo-lhes os valores do Estado Novo, a segunda destinava-se, por sua vez, a defender o país, o Estado corporativo e a conter a ameaça bolchevista. A Obra das Mães para a Educação Nacional surgiu em 1936 para a formação das "futuras mulheres mães" e a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT), fundada em 1935, controlava os tempos livres dos trabalhadores, providenciando actividades recreativas relacionadas com a moral oficial. E, como ocorrera a eclosão da Guerra Civil, em Espanha, e vitória da Frente Popular, em França, o medo da ameaça bolchevique regressou, o que resultou num controlo da população portuguesa, surgindo um juramento que o funcionalismo público deveria fazer para provar a sua fidelidade ao regime.

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O aparelho repressivo do Estado

Como outros regimes autoritários, o Estado Novo dispôs de um aparelho repressivo que se centrava na censura e na polícia política.

A censura prévia foi aplicada à imprensa, ao teatro, ao cinema, à rádio e, mais tarde, à televisão, abrangendo assuntos políticos, militares, morais e religiosos. Quanto à polícia política - Polícia de Vigilância e de Defesa do Estado (PVDE), designada de Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) após 1945 - esta distinguiu-se por prender, torturar e matar opositores ao regime. Pairava, assim, um clima de terror a que se juntava uma rede de informadores, as denúncias.

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